Dra. Antonela atuou no Ambulatório de Travestis e Transsexuais do CRT-DST/AIDS e é médica assistente e professora da residência médica no Instituto de Infectologia Emílio Ribas desde 2012, locais onde adquiriu vasta experiência no atendimento de indivíduos transgênero.
No meu consultório recebo pessoas trans e com questões relacionadas à incongruência de gênero desde 2015. Realizo a hormonização cruzada e também oriento o indivíduo em todo processo de afirmação de gênero.
Transgeneridade: definições e esclarecimento
Transgeneridade é o termo que identifica indivíduos cuja identidade ou expressão de gênero não se alinha com o sexo biológico assinalado ao nascimento.
A mulher transexual é um indivíduo cujo sexo biológico assinalado ao nascimento foi o masculino, mas que se expressa no gênero feminino; já o homem transexual é aquele cujo sexo do nascimento foi o feminino, mas que se expressa no masculino. Também existem categorias intermediárias, onde o indivíduo se identifica com ambos os gêneros, ou com nenhum deles (indivíduos não-binários ou de gênero fluído), cujas particularidades e demandas específicas devem ser escutadas e respeitadas.
Os primeiros estudos científicos sobre transgeneridade na endocrinologia foram publicados na década de 1950, pelo norte-americano Harry Benjamin. Em sua linha de raciocínio dizia que o “verdadeiro transexual” teria uma relação de abjeção de longa duração às suas genitálias, e deveria submeter-se à cirurgia de redesignanção sexual para não cometer suicídio. Infelizmente este conceito fez com que a transgeneridade fosse tratada como uma “doença mental” por muito tempo, acarretando um forte desconforto e angústia aos indivíduos com incongruência de gênero, que de fato não se consideravam, e nem eram “doentes”.
Hoje não usamos mais o termo “transexualismo”, que remete à uma patologia, e sim o termo Incongruência de Gênero, para definir os indivíduos que buscam ajuda para modificar seu corpo e adequar sua expressão no mundo ao seu sentimento interno de gênero.
Então, como ajudar o transgênero a vivenciar sua real identidade? O Processo de afirmação de gênero existe para minimizar ou aliviar o desconforto, ou simplesmente para adequar melhor o indivíduo à sua identidade de gênero. Fornece, em um primeiro momento, o apoio emocional e socio-cultural necessário à integração e à saúde mental do indivíduo transgênero e de sua família. E em seguida vêm os tratamentos para adequação da aparência física, passando por intervenções mais simples, como terapia de voz, depilação a laser, pequenas intervenções estéticas, até às cirurgias mais complexas como mamoplastias masculinizadoras, histerecomias, e se desejado, a redesignação sexual da genitália externa.
Durante todo este processo, a Hormonização é de fundamental importância e consiste na administração de hormônios para alinhar e equilibrar o indivíduo dentro do gênero no qual ele se identifica, possibilitando um alívio importante do sofrimento decorrente da incongruência de gênero. Apesar disso, vale ressaltar que ela não é totalmente indispensável, e, como cada ser humano é único, existem aqueles que não se beneficiam dela, ou que simplesmente não desejam ser hormonizados.
Apesar dos inúmeros avanços conquistados até hoje por esta população, sua vulnerabilidade tanto individual como social e institucional ainda persiste. O preconceito está presente mesmo nos serviços de saúde, o que reduz a procura por políticas preventivas, deixando-os mais susceptíveis a doenças crônicas e transmissíveis. Comportamentos de risco como práticas sexuais não seguras, tabagismo, uso de drogas lícitas e ilícitas, podem ser mais frequentes nesta população, em grande parte como uma reação à discriminação sofrida. E isto precisa ser combatido com prioridade e urgência.
Em face do exposto acima, vejo como uma grande responsabilidade dos profissionais de saúde estudar as particularidades destes indivíduos, para integrá-los cada vez mais na população geral, sabendo responder às suas demandas específicas de saúde física, mental e social, que por tantos séculos foram negligenciadas.
Homonização cruzada
A hormonização cruzada, tanto feminilizante como masculinizante, faz parte do processo de afirmação de gênero e induz o desenvolvimento dos caracteres sexuais secundários desejados, enquanto reduz os do sexo biológico. É amplamente utilizada por grande parte dos pacientes e das pacientes, que relatam alívio importante do sofrimento causado pela inadequação das características físicas à identidade de gênero.
De acordo com a World Professional Association for Transgender Health(WPATH) a hormonização feminilizante deve combinar um agente estrogênico, para induzir a feminilização, a um anti-androgênico, que bloqueia a produção de testosterona e reduz os caracteres masculinos. Dentre os principais riscos estão a trombose venosa profunda, a sobrecarga hepática e o ganho de peso. O emprego de progestágenos deve ser evitado por ter benefícios duvidosos e aumentar os efeitos colaterais.
Já a hormonização masculinizante irá desenvolver caracteres sexuais masculinos no indivíduo geneticamente feminino. O homem trans necessita somente da testosterona, que pode ser ministrada por via tópica ou injetável, a depender das particularidades de cada indivíduo. Entre os efeitos indesejados da testosterona temos a acne e a toxicidade hepática e muscular.
Pelo exposto acima, é de extrema importância que esta terapia seja conduzida por profissional capacitado, preferencialmente um endocrinologista, visto que hormônios em doses erradas podem causar efeitos indesejados e sua concentração no sangue necessita monitorização frequente. Também a idade ou situações clínicas diversas podem contra-indicar momentaneamente, ou modular a intensidade da hormonização.
Uma hormonização desassistida pode acarretar em perigo para a saúde global do indivíduo, mas sendo monitorada pelo endocrinologista, ela é não somente eficaz e tolerável do ponto de vista clínico, como extremamente benéfica do ponto de vista emocional.
No processo de afirmação de gênero, o benefício para a saúde psíquica sobrepõe em muito os riscos para a saúde física, que podem ser contornados e cuidados, resultando em melhora importante na saúde global e na qualidade de vida do indivíduo.
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