Dra. Antonela foi médica no Centro de Referência e Treinamento em DST/AIDS e é médica assistente e professora da residência médica no Instituto de Infectologia Emílio Ribas desde 2012, locais onde adquiriu vasta experiência no atendimento a pessoas vivendo com HIV.
O campo de atuação do endocrinologista nesta população é muito amplo, indo desde a prevenção das mudanças corporais decorrentes da infecção e dos seus medicamentos, até o cuidado com as doenças metabólicas (obesidade, diabetes, colesterol) e hormonais que se desenvolvem ao longo dos anos de tratamento.
Entre eles, a obesidade e a queda precoce dos hormônios sexuais é um dos mais frequentes, e por vezes passa desapercebido, como sendo parte do envelhecimento natural do organismo.
Quer saber mais detalhes sobre distúrbios hormonais das pessoas vivendo com HIV?
Pessoas Vivendo com HIV
A história do HIV mudou muito desde meados da década de 90, quando a terapêutica anti-retroviral foi instituída com sucesso. Hoje, as PVHIV têm expectativa de vida longa, desde que façam uso regular da medicação que os mantém com a imunidade adequada e livre de doenças oportunistas.
Por outro lado, esta mesma terapêutica que lhes salvou a vida, pode causar alterações hormonais e metabólicas que precisam ser gerenciadas adequadamente, fazendo do endocrinologista um aliado de fundamental importância ao infectologista no cuidado das PVHIV.
Dislipidemias
Há uma forte tendência de elevação do colesterol e dos triglicerídeos séricos durante o tratamento com os anti-retrovirais. O manejo adequado destes distúrbios envolve dieta, atividade física e medicações específicas, sempre com um olhar individualizado, a depender da terapêutica anti-retroviral empregada e da presença de outras comorbidades que elevem o risco cardiovascular de cada paciente.
Resistência à insulina e Diabetes Mellitus
Com os anti-retrovirais mais antigos, ocorria, em paralelo ao ganho de gordura visceral e à perda de gordura sub-cutânea (lipodistrofia do HIV) o surgimento da Resistência à Insulina. Uma vez que as células “resistem” à ação da insulina – hormônio responsável pela entrada de glicose nos tecidos para produção de energia – surgem muitos distúrbios metabólicos, culminando com o desenvolvimento do diabetes. O cuidado com o paciente com diabetes associado ao HIV também envolve dieta, atividade física e medicamentos, orais ou injetáveis, que devem ser cuidadosamente selecionados, individualizados de acordo com a terapia anti-retroviral e com a presença de outras comorbidades, como excesso de peso, esteatose hepática, pressão alta ou dislipidemias. Leia mais sobre diabetes na sessão específica, clicando aqui.
Hipogonadismo masculino
Este distúrbio hormonal caracteriza-se pela queda dos níveis séricos de testosterona no homem vivendo com HIV e é a alteração endocrinológica mais prevalente no homem soropositivo. Pode ser secundário a uma infecção oportunista que acometa os testículos, mas em 80% das vezes, naqueles em terapia anti-retroviral regular, é decorrente de uma adaptação do organismo ao estresse da doença crônica.
Os sintomas de hipogonadismo são diminuição da libido, queda de pelos e rarefação da barba, diminuição da força muscular, sintomas depressivos, falta de energia e concentração. A suspeita diagnóstica deve ser levantada em todo homem com qualquer uma destas queixas acima, e confirmada com uma dosagem sérica da testosterona.
É importante salientar que nem sempre estas queixas são diretamente ligadas à queda da testosterona, e que, sendo queixas inespecíficas, outras causas devem ser pesquisadas, como o próprio diabetes, doença aterosclerótica sistêmica, hipotireoidismo ou mesmo somente um quadro depressivo com sinais físicos mais exuberantes.
O tratamento do hipogonadismo masculino é feito com a reposição de testosterona, através de injeções intra-musculares ou preparações transdérmicas.
Menopausa precoce
Nas mulheres vivendo com HIV, a menopausa costuma ocorrer mais cedo na vida, em alguns casos por volta dos 40 anos, impactando sobremaneira a qualidade de vida delas. Além disso, pode acelerar a perda de massa óssea, que já acontece em consequência da terapia anti-retroviral, levando a quadros graves de osteoporose e fratura por fragilidade óssea.
Para agravar a situação, muitas vezes as pacientes, ou até mesmo os médicos, evitam realizar a terapia hormonal da menopausa por medo dos efeitos colaterais no sistema cardiovascular. Porém, se feita com os hormônios corretos e com o devido monitoramento, é uma terapia segura e muito importante para a saúde física, mental e emocional da população feminina vivendo com HIV.
Doenças da tireóide
Outras doenças oportunistas e tumores, relacionados ou não à Aids, podem atingir outras glândulas das PVHIVs, como a Pituitária, a Adrenal, e as Paratireóides.
Em todas estas situações o endocrinologista pode atuar para melhorar a qualidade de vida e promover a saúde desta população.
Outras doenças oportunistas e tumores, relacionados ou não à Aids, podem atingir outras glândulas das PVHIVs, como a Pituitária, a Adrenal, e as Paratireóides.
Em todas estas situações o endocrinologista pode atuar para melhorar a qualidade de vida e promover a saúde desta população.
Parece inacreditável que hoje, poucas décadas após o surgimento da Aids, depois de termos testemunhado casos como o do cantor Cazuza, possamos falar em obesidade associada ao HIV. Mas sim, hoje a PVHIV desenvolve obesidade assim como a população geral, de modo epidêmico e preocupante.
Quais fatores estão associados a esta inversão, da síndrome consumptiva do indivíduo com Aids para o ganho de peso progressivo e acentuado nos indivíduos vivendo cronicamente com HIV?
Sem dúvida há múltiplos fatores envolvidos:
Primeiramente, como as PVHIVs estão vivendo mais, atingem idades em que o ganho de gordura corporal é consequência natural do envelhecimento. Além disso, o sedentarismo e a dieta excessivamente calórica da vida moderna as afetam assim como à população geral.
De qualquer modo, algumas particularidades devem ser ressaltadas.
Quando ocorre a soroconversão e o organismo é acometido por um estresse agudo intenso, a taxa de metabolismo basal aumenta muito, podendo ocorrer perda de peso. Posteriormente, com o controle do vírus e a recuperação da saúde, o reganho de peso pode se estabelecer de modo desgovernado, excessivo e com distribuição anômala da gordura, caracterizando a lipodistrofia do HIV. Nestes casos o acúmulo de gordura ocorre no abdome, nas mamas, ao redor do pescoço e no tórax, com perda concomitante da gordura subcutânea dos braços, pernas e glúteos.
Nos dias de hoje, este reganho desgovernado de gordura corporal e a lipodistrofia estão felizmente ficando mais raros. As terapias anti-retrovirais mais modernas e o início precoce do tratamento, evitam a síndrome consumptiva da Aids e o posterior ganho de peso anômalo.
A má notícia é que alguns anti-retrovirais modernos apresentam, como efeito colateral, o ganho generalizado de peso. Não se fala mais em “lipodistrofia”, mas em “obesidade associada à terapia anti-retroviral”. Este fator de risco a mais, somado a tantos outros que afetam a população geral, está atingindo as PVHIV e tornando o ganho excessivo de peso, a resistência à insulina e o Diabetes, doenças cada vez mais comuns nestes indivíduos. A escolha e o manejo adequado da terapia anti-retroviral pelo infectologista pode evitar ou ajudar a corrigir estas alterações.
Outro agravante é o quadro depressivo que com frequência acompanha a descoberta do diagnóstico de HIV. Transtornos de compulsão alimentar com consequente ganho excessivo de peso podem afetar o indivíduo em um momento pós-traumático. E curiosamente, ainda hoje em dia, o “medo da Aids”, leva o indivíduo a comer em excesso, para não ficar com a aparência consumida e doente que estigmatiza o “aidético”. No tratamento para a recuperação do peso saudável, um olhar cuidadoso do endocrinologista pode identificar estas dificuldades e tratá-las de modo adequado, se necessário com o auxílio de equipe de saúde mental.
E por fim, muitas medicações usadas no manejo clínico destes pacientes podem induzir ou piorar o ganho de peso, entre elas a corticoterapia, psicotrópicos e mesmo alguns anti-retrovirais. Por vezes elas são primordiais e insubstituíveis, mas na maioria dos casos podem ser ajustadas de modo a terem seus efeitos colaterais minimizados.
Tudo o que foi exposto acima pode incidir nas PVHIVs, complicando o manejo de sua doença e sua adesão à terapêutica anti-retroviral contínua. Para tudo isso existe um cuidado especial, que pode ser oferecido por um endocrinologista familiarizado com as particularidades destes indivíduos, contribuindo de modo significante para a melhoria da sua qualidade de vida.
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